Movimento Animal

Nesta série de posts, vamos falar de uma série de rotinas ancestrais que nos levam de regresso à Natureza. Nasceram de uma busca da resposta à pergunta “como é que certas culturas mantêm viva a conexão à natureza de uma geração para a outra?”. Se quiseres saber mais sobre este tópico, e ver todos os posts da série, clica aqui.

Neurónios espelho e empatia

Já alguma vez deste por ti a sorrir só porque alguém sorriu para ti? Ou a fazer um esgar de dor quando vês alguém cair? Isto acontece por causa dos neurónios espelho.

Eles são um conjunto de neurónios que recriam dentro de nós aquilo que se está a passar à nossa volta, especialmente a nível de movimentos e sons. É dos primeiros sistemas a ativar-se nos bebés — 72h depois de nascerem eles já respondem aos sorrisos de quem os rodeia sorrindo.

Estes neurónios permitem-nos sentir o que as pessoas à nossa volta sentem. São fundamentais para a aprendizagem, para a comunicação e para a empatia. É graças a eles que nos conseguimos pôr no lugar do outro.

E como nascemos muito prematuros — uma girafa começa a anda uma hora depois de nascer, nós demoramos uns 9 meses — este sistema que nos permite sentir e imitar quem nos rodeia é fundamental para o nosso desenvolvimento.

É um sistema que continua ativo durante toda a nossa vida e que se vai desenvolvendo à medida que aprendemos a fazer novas coisas. Eu notei de forma clara quando aprendi a dançar que ver espetáculos de dança se tornou completamente diferente — já não era só uma coisa bonita, mas conseguia sentir no meu corpo a dificuldade dos movimentos, a coordenação. Isto acontecia graças aos meus neurónios espelho, que se tinham desenvolvido mais para aquela atividade.

É como se o sistema se alimentasse a si mesmo. Com os neurónios espelhos aprendemos a imitar, e quando imitamos os músculos desenvolvem-se de uma forma que nos permite sentir ainda melhor o que se passa do outro lado.

E não é só pessoas que imitamos. Com o poder dos neurónios espelho, conseguimos também imitar outras coisas — como animais.

O poder da imaginação

Antes de entrarmos no porquê imitar animais, temos que falar sobre a imaginação.

Ao contrário do que possas pensar, vives num mundo imaginário. O universo lá fora chega até ti pelos sentidos. Os sentidos mandam informação para o cérebro. O cérebro pega nessa informação e organiza-a, de acordo com a sua linguagem e a sua história e cria um reflexo do mundo muito próprio.

Temos uma janela clara para este processo quando acordamos num quarto que nos é estranho. De repente não há nada, depois há formas, e só passado algum tempo é que essas formas se organizam em objectos que reconhecemos.

Mas, o nosso viver num mundo imaginário vai mais longe — o nosso corpo muda de acordo com essa imaginação. Há vários estudos que mostram que apenas imaginar que se faz exercício leva a um aumento da massa muscular (embora não tanto como fazer exercício!)

Então, isto significa que mesmo que algo não seja real no mundo lá fora, o nosso corpo consegue responder como se fosse esse o caso. Nós como adultos somos levados a descartar o poder da imaginação. Mas para podermos trabalhar com formas animais precisamos de o voltar a acolher.

De todas as rotinas, esta é a que mais se assemelha a um jogo. Claro que não te vais transformar magicamente num gato ou num lobo. Mas se ativares os teus neurónios espelho olhando para a forma como eles se movem (na vida real ou num video) e te deixares levar pela imaginação, vais-te surpreender até onde isso te pode levar.

Os animais enquanto mentores

Nas nossas fábulas, tal como nos contos indígenas antigos, os animais aparecem muitas vezes como mentores. A astúcia da raposa. A coragem do leão. A resistência do boi. É como se os diferentes animais tivessem diferentes lições para nos dar.

No xamanismo trabalha-se com animais de poder, animais que têm as características que precisamos em nós. Em certas linhas de druidismo faz-se o inverso, e os animais com os quais se trabalha têm os vicios que precisamos de ultrapassar.

Como é que seria ter os olhos de uma águia e conseguir ver as situações onde estamos desde cima? Ou se levássemos a alegria e espontaneidade dos cães para as nossas relações?

Brincar com formas animais é uma das maneiras que temos de conhecer e experienciar no nosso corpo estas características que os animais têm para nos ensinar.

Como fazer formas animais?

Para um bom trabalho com formas animais precisamos da ajuda dos nossos neurónios espelho, da nossa imaginação e do nosso corpo.

  • Ativar os neurónios espelho: Escolhe o animal que queres imitar, e vai vê-lo na vida real. Se isso não for possível, espreita no youtube videos sobre ele. Como é que se move? Como é que caça? Como é que se esconde? Coloca a atenção no teu corpo enquanto o observas. Como é que reages?
  • Ativar a imaginação: Fecha os olhos e sente o teu corpo. Imagina que te cresce pelo ou escamas, que os teus membros, a tua face mudam. Como se a energia do animal se espalhasse à tua volta, e te envolvesse. Não tens mãos nem pés, tens patas. Já não tens a tua voz, tens a voz do animal. Os teus olhos vêm como ele, o teu nariz fica curioso com os cheiros que lhe chamam a atenção. E depois, move-te. Mexe-te como ele se mexe, e vê o que te acontece. Pode ajudar colocar sons do meio ambiente em que ele vive, para imaginares também que estás na savana, ou na selva, ou onde for normal para o teu animal andar

Dois jogos de formas animais

Passos de raposa — As raposas andam silenciosas. Duplamente escondidas, para não serem vistas nem pelas suas presas, nem pelos seres humanos que à séculos que as caçam. Eis como vais fazer para andar como uma raposa:

  • Começa por deixar a tua visão expandir-se até à visão periférica. Queres conseguir ver o mundo todo para não seres apanhado de surpresa
  • Anda, de preferência descalça, colocando primeiro a ponta do pé no chão. Como se o testasses para ver se aguenta o teu peso e se não faz sons. Depois, apoia o bordo externo do pé e continua a apoiar até chegares ao calcanhar
  • À medida que andas, procura manter a cabeça sempre ao mesmo nível. Se estiveres com a visão periférica ativa vais ver que baloiçar a cabeça para cima e para baixo a cada passo traz mais distrações do que mantê-la ao mesmo nível.

Gato na cidade — Os gatos vivem na fronteira entre o civilizado e o selvagem. Podemos ver como se movem ao vivo e perceber que vivem num mundo diferente do nosso.

  • Versão A — És uma pessoa presa num corpo de gato, e queres passar despercebido. Coloca as quatro patas no chão, e move-te como se fosses um gato. Imagina que vem um outro gato na tua direção, como respondes? Como interages com o mundo?
  • Versão B — És um gato no corpo de uma pessoa, e queres passar despercebido. Como fazes? Como agiria um gato na tua pele? O que é que é fácil e difícil?
  • Versão C — És um gato no corpo de uma pessoa, e é a melhor coisa de sempre! Enquanto gato, como é que vais aproveitar este novo corpo? Que coisas podes fazer com ele que normalmente te estavam vedadas? Como levar ao máximo a tua gatês neste corpo?

Como estes jogos, há infindáveis outros, deixa que a tua imaginação te leve para lá dos teus próprios limites!

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