Nesta série de posts, vamos falar de uma série de rotinas ancestrais que nos levam de regresso à Natureza. Nasceram de uma busca da resposta à pergunta “como é que certas culturas mantêm viva a conexão à natureza de uma geração para a outra?”. Se quiseres saber mais sobre este tópico, e ver todos os posts da série, clica aqui
Um ritmo natural
A história do dia é o resultado normal do poisar e estar nos sentidos. Depois de vivermos alguma coisa de forma realmente presente, vem a vontade de falar sobre ela.
Num meio tribal esta partilha de histórias é fundamental. Por onde andam as manadas? Quem descobriu uma zona com bagas boas para comer? Partilhar histórias, cumpria uma função de sobrevivência, além da função social.
Aliás, é comum dizer-se que o ser humano difere dos outros animais pela sua capacidade de contar histórias.
Neste ritmo de experiência/partilha há uma expansão durante o dia, quando se sai e vai para o mundo. E depois um recolhimento à noite, em que se partilham as histórias e se recolhem as lições do dia que passou
Recordar permite conectar
Quando falamos de algo que aconteceu, criamos uma ligação mais profunda com isso. Provavelmente já vos aconteceu estares a falar de um problema, ou de uma vivência e de repente faz-se uma luz, abre-se uma nova visão sobre as coisas.
Quando partilhamos e recordamos algo, somos capazes de criar novas ligações e até de encontrar coisas que anteriormente não estavam lá.
Quando vamos buscar uma memória para contar uma história, estamos a dar ao nosso cérebro sinal de que aquela vivência foi importante. E à medida que recordamos e voltamos a viver, a nossa ligação a essa vivência fica mais forte.
O poder das perguntas
Ao partilhar uma história, há também outra coisa que acontece. Quem nos está a ouvir vai ter um ponto de vista diferente do nosso. Vai ter curiosidade sobre facetas da experiência que talvez a nós.
Então, se a nossa atenção for como um foco que ilumina parte do que vivemos, quando partilhamos uma história e escutamos as perguntas de quem nos ouve, então é como se entrasse uma segunda lanterna em cena, que nos leva a ver coisas novas.
Muitas vezes, é graças às perguntas que nos apercebemos das quantidade de coisas que não conhecemos. Ou de que estávamos a ter uma perspetiva injusta sobre algo.
Como integrar a rotina da história do dia?
Para os bushman do deserto Kalahari, possivelmente a tribo de caçador-coletores mais antiga do mundo, a história do dia é uma vivência natural. Uma criança que regresse das suas explorações vai ter pelo menos cerca de 30 adultos interessados no que ela tem para contar.
Além disso, esses adultos conhecem o meio natural com tal detalhe que lhe vão fazer as perguntas certas para o ajudar a criar ligações mais fortes com o meio.
Cá no ocidente, é um bocadinho menos fácil, mas também é possível. Há duas forma de o fazer e elas podem trabalhar de forma complementar. Caso optes só por uma, dá preferência à primeira.
Opção 1
- Convence alguém a ouvir-te.
- Explica-lhe que precisas de duas coisas dessa pessoa:
- Que escute atentamente
- Que faça perguntas sobre o que não entende ou a deixa curiosa
- Passa a partilhar com essa pessoa as tuas vivências na natureza
Este alguém tem que ser capaz de ouvir. Eu tenho descoberto que gente mas velha, que ainda tem memórias de viver no campo têm imenso conhecimento, e não só me fazem boas perguntas, como também me ajudam com as coisas que eu não sei.
Podes mesmo explicar a essa pessoa que estás a fazer um trabalho de ligação à Natureza, e que um dos exercícios é contar as histórias do que vivencias e que alguém te faça perguntas sobre isso.
A opção 2 é adequada se fores um ermita, ou se não tiveres ninguém com quem te sintas confortável a falar.
Opção 2
- Escolhe um sítio para escreveres as tuas experiências
- Escreve lá a tua história
- Depois de a escreveres, escreve por baixo as perguntas que tenhas sobre o que viveste.
Para ambos os casos, ajuda ter uma hora fixa para contar a história. E se não quiseres tirar muito tempo à pessoa que te ouve, podes sempre tirar umas notas no caderno todos os dias e falar com a pessoa só no final de uma semana de vivências.
Do que falar na história do dia?
Aqui estamos a focar a conexão na natureza, mas a história do dia também é uma excelente ferramenta de conexão ao outro. Sabemos isto de modo instintivo — todos os pais perguntam aos filhos como correu o seu dia.
Em relação à conexão à natureza, nós recomendamos que fales de:
Coisas que te viste/ouviste/cheiraste, tanto no teu poiso, como no dia a dia.
- Coisas estranhas que os pássaros andem a fazer
- Sons de pássaros novos
- Pegadas, trilhos e cocós de animais
- Diferenças que notes na vegetação
- Flores que estejam a abrir
- A forma como a terra responde à chuva
- Como é que o teu poiso muda conforme a hora do dia a que lá vais?
Coisas que sentiste
- Como foi ver a primeira flor da primavera?
- Qual a sensação de ir ao poiso ainda antes do sol nascer?
- Os pássaros quando cantam alguma vez parecem falar contigo?
- Como é que o teu corpo se sente quanto te sentas e fazes a meditação dos sentidos?
- Há memórias que estejam a vir ter contigo?
- Há sentimentos que venham ao de cima?
E muito importante para que isto funcione, é que enquanto tu falas, a outra pessoa escute a tua história até ao fim. Mais tarde, ela pode partilhar as suas próprias histórias, mas enquanto tu estiveres a falar, o foco dela é ouvir-te. Pode interromper-te, mas apenas com perguntas, ou com sons de encorajamento.
O poiso e a história do dia são como as duas asas que te vão levar no caminho da conexão. Pode parecer que contar a tua história não é importante. Mas não acredites na voz que te diz isso. Esse sentimento é só um espelho de quanto perdemos as nossas ligações enquanto sociedade. Tem a coragem de encontrar alguém para te ouvir e de te deixar descobrir onde é que isso te leva.