Primeiro dentro
Por norma, os valores são encarados como um código de conduta, como algo que se manifesta na nossa relação com o mundo. Eles dão forma, sim, mas só se aplica com a nossa relação com os demais.
É particularmente comum ver isto com valores relacionados com o serviço ou com o trabalho. Há pessoas que servem os outros completamente, ou trabalham de forma incrivelmente intensa, mas fazem-no de uma forma que os anula completamente. Nada podia estar mais longe da forma como os valores são vividos no Yoga.
Nesta tradição, os valores são sempre vividos de dentro para fora. E isso resolve a maior parte da tensão que é criada pela adoção de um sistema de valores. Normalmente, esta tensão é criada no momento da adoção de um sistema porque se está a tentar mostrar para fora uma coisa que não é verdadeira internamente. Até que ponto posso ser realmente generoso com os outros, se não o sou comigo?
Então, esta é a chave dos valores no Yoga: primeiro dentro. O nosso objetivo, o nosso foco nesta tradição é o desenvolvimento pessoal. É o Ser e não o Parecer. Então, primeiro dentro. Se quero ser menos violento, primeiro tenho que deixar de ser violento comigo mesmo. Se quero ser mais verdadeiro, então tenho que começar por ser honesto comigo mesmo. Não serve de nada aparentar uma coisa para fora, anular-me para ser algo que não sou, espartilhado por um conjunto de valores que aplico em todas as relações, exceto na com o meu íntimo. Isso só leva à tensão, à anulação pessoal e ao ressentimento para com o mundo e eventual abandono dos valores professados.
Há um exemplo claro deste fenómeno da igreja católica. É suposto sermos Bons (forma de agir para com o mundo) e conscientes de que façamos o que fizermos, somos pecadores (por minha culpa, minha tão grande culpa, não é?). O resultado é visível no arquétipo da velhinha azeda, que vai à igreja, dá o seu donativo e assim que sai da casa do senhor junta-se com as amigas para falar mal de todas as outras pessoas. O valor “sou pecadora” foi de tal modo internalizado, que ela já só consegue ver o outro através dessa lente. O ser Boa perdeu-se pelo caminho. O valor interno é vivido de forma intensa, e o valor externo foi abandonado.
No Yoga, para evitar esta armadilha, os valores aplicam-se primeiro dentro (e sei que me estou a repetir. Mas isto é aquilo que realmente interessa, a lição importante deste texto). Se tirares a violência de dentro de ti, também vai sair das tuas relações. Se passares a ser verdadeiro contigo mesmo, também o serás para com os outros. Ao aplicares os valores ao teu interior, por uma questão de congruência, eles vão inevitavelmente manifestar-se à tua volta.
É como a semente que cresce debaixo do chão. É preciso brotar, criar raízes, crescer onde ninguém vê o que se passa. Mas quando isso acontece, então a árvore cresce, enorme e forte, da pequena semente. E quanto mais ela cresce, mais fundo vão as raízes.
Viveres os teus valores dentro vai permitir-te que eles se manifestem fora. E manifestar os teus valores fora vai-te permitir chegar mais fundo à aplicação deles dentro de ti. Mas lembra-te, primeiro dentro.
Na Prática
Nestas semanas, vamos também ter sempre um exercício, uma pergunta ou um desafio para casa, para levares o trabalho mais fundo.
Pergunta:
Quais os teus três valores mais importantes. Eles são vividos com tanta intensidade dentro de ti como no mundo em redor?
Desafio:
- Fecha os olhos, respira e imagina, como seria a tua experiência de vida se vivesses um dos valores do exercício anterior de forma intensa, mas virada para o teu interior. O que mudava na tua vida? Demora o tempo que precisares neste exercício.
- Durante esta semana, experimenta a tornar essa visão realidade e a viver esse valor para dentro, com a mesma intensidade que o vives para fora. Nota como te sentes. Fica mais fácil ser congruente com ele?
Outros artigos nesta série:
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Os valores estão bem e recomendam-se.
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Os 10 Valores do Yoga
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Como são vividos os valores no Yoga?